Engenhatura
Por que engenharia e literatura não podem ser irmãs? Por que um engenheiro não pode ser também escritor? Por que letras e números devem ter aversão entre si? Não nesse local. Esse é um blog para amantes da literatura e dos números, um blog criado por um engenheiro, porém que fala de letras e palavras.
quarta-feira, 17 de janeiro de 2018
Conto: Não dou flores
Não dou flores. Simplesmente não consigo fazer esse gesto. Nem pelo amor da minha vida, nem por nenhum amor adolescente que tive, nem por qualquer amor futuro, mãe dos meus filhos... quem quer que seja. Eu não dou flores. Perdi grandes paixões por esse orgulho. Dizem que é infundado. Elas sempre esperam o buquê com rosas vermelhas, mas eu não consigo. Perdi o amor da minha vida assim. “Por que você nunca me deu flores” – ela perguntou. “Não dou flores, não fiz nada de errado, não tenho por que pedir desculpas".
Dar flores, para mim, sempre pareceu o tipo da coisa que se faz quando a cagada feita é muito grande. Quando não se tem alternativa para pedir desculpa a mulher amada, então, recorre-se às flores. Por isso, não as dou. Porque eu amo com todas as forças, e a cada dia, e não me sobra tempo para errar a ponto de ter que pedir desculpas com um buquê na mão.
Assim, perdi o amor da minha vida. A mais bela... Que ao me ver chegar com o buquê, não entendeu que eu havia ultrapassado o limite do orgulho, por amor, e estava prestes a fazer o pedido, deixando para trás minha crença. Ela virou de costas e nunca mais voltou... Nunca me deixou explicar o verdadeiro motivo do buquê... nunca quis ouvir... Não queria desculpas... Mas as desculpas nunca foram pedidas, não havia motivo para isso. Sobrou-me apenas a solidão.
quarta-feira, 10 de janeiro de 2018
Conto: Feliz Ano Novo
– Feliz ano novo – disse o homem apontando sua Magnum .44 para
a cabeça do outro que estava sentado em uma acolchoada poltrona –, seu filho da puta. – O homem sentado não
demonstrou qualquer reação. Mantinha suas pernas cruzadas, apoiando o braço,
que segurava o copo de uísque, sobre o joelho.
– Como entrou
aqui? – perguntou o homem sentado.
– Não importa.
Hoje você vai pagar por tudo.
– Você é um
cara interessante, Isaque – disse o homem com uísque. – Achei que já havia
superado tudo, afinal, faz quatro anos...
– Cinco – interrompeu Isaque.
– Isso! Cinco
anos. E você escolhe essa data peculiar. Você é realmente interessante.
– Você tinha
tudo, Davi. Seu nome não nega isso. Tinha tudo, mas quis a única coisa que era
valiosa para mim. Você é um filho da puta de merda, exatamente como o Davi
bíblico – disse Isaque.
– Raissa não é
uma coisa, meu caro. Ela fez a escolha dela.
– Você a levou
a isso! – berrou Isaque, engatilhando a arma. – Você era a porra do diretor da
empresa que ela trabalhava. O que queria que ela fizesse? Tínhamos contas a
pagar e eu...
– Sim, eu sei.
Você estava desempregado – interrompeu Davi. – Eu conheço a história. Olha Isaque, o que
passou, passou. Supere isso de uma vez. Aproveite o ano novo. Como dizem por
aí: Ano novo, vida nova.
O barulho do
disparo ecoou no luxuoso escritório. Mas nem mesmo assim o diretor esboçou
qualquer reação. Até mesmo seu piscar de olhos fora controlado.
– Você estragou
meu piso, Isaque – disse Davi.
– Eu devia ter
atirado na sua cara.
– Você é um
homem problemático. Já pensou que ela pode tê-lo deixado por isso? E que você está
concentrando sua fúria em mim? Foi apenas um caso. Um casinho de nada.
– Você
destruiu minha vida! – berrou Isaque, derrubando a luminária que estava sobre a
mesa, espatifando-a no chão.
– Era
importada – disse Davi. – Eu adorava essa luminária.
– Vou mata-lo.
Depois matarei Raissa.
– Pois vá em
frente – disse Davi. – Vá em frente.
Mate-me, e depois mate a ela. Depois disso, sua vida será muito mais fácil. A
polícia vai descobrir você em poucos segundos. Você será preso em poucas horas,
e essa sua bundinha será a nova diversão da rapaziada da cela. Ou você já se
esqueceu do vexame que foi nosso último encontro?
– Como posso
esquecer se hoje faz cinco anos.
– Então...
Tudo seria diferente se você não tivesse aparecido na festa de fim ano da
empresa. Raissa sempre me disse que você não fazia nada. Não saia com ela, não
se divertia. Você havia sido convidado para nossa festa, e não quis ir. Sua
chegada surpresa lá, e aquele vexame... Você sabe que se eu morrer... você é o
maior suspeito.
– Eu devia ter
matado vocês dois ali mesmo. Há quanto tempo você estava comendo minha mulher?
– O que isso
importa agora? Ela não é mais sua mulher. Nem minha. Ela não é de ninguém. Ela
não é uma coisa, Isaque.
– Você tinha
tudo! – berrou Isaque. – Os melhores carros, as mulheres que queria, todo o
dinheiro do mundo. Por que Raissa também?
– Ora... mas
isso é muito simples... Eu a queria, porque não a tinha.
Isaque começou
a chorar copiosamente.
– Que cena
patética, Isaque – disse Davi. – Odeio
ver homens chorando. Foi há cinco anos. Eu nem me lembro mais dela... E
outra... Ela fodia muito mal.
– Você é um
filho da puta.
– Isaque –
disse Davi –, me matar, e depois matar
Raissa, não vai vinga-lo. Vai por mim, vingança não é isso. Vingança é o que
fiz com você. Sua ex-mulher me rejeitou várias vezes, mesmo você sendo um
insensível, grosso e duro sem ter onde cair. Ela preferiu um fodido igual você,
a mim, muitas vezes... Isso machucou meu ego, virou uma disputa pessoal.
Vingança é isso... Ver um homem que tinha o que eu queria, que destruiu minha
festa de ano novo há cinco anos, que fez um vexame horrível na frente dos meus
empregados, chorando como uma criança na minha frente.
– Foda-se,
cara. Vou matar você assim mesmo.
– Além de mal
perdedor, você é burro. Isso que você está prestes a fazer vai ser a maior
idiotice da sua vida. Aproveite o ano novo, e mude de vida. Esqueça Raissa, me
esqueça. Viva sua vida, comece de novo. Você acha que eu ganhei todas as
disputas? Lógico que não! A grande diferença do vencedor para o perdedor é o
fato do vencedor não se apegar às derrotas, como você está fazendo agora. Se
você me matar, sei que não terá coragem de matar Raissa. Vejo isso nos seus
olhos. Você é um frouxo, você nunca matou ninguém... Não vai mata-la... Você
quer mostrar uma hombridade que não tem. Ela vai ter pena de você. Se você me
matar, vai ficar tão apavorado, que vai fugir... Vai fugir e será pego. – Isaque
começou a chorar ainda mais, caindo de joelhos no tapete.
– O que eu
devo fazer? – disse Isaque entrecortado por choro.
– Comece de
novo. E eu vou te ajudar. Vou te ajudar porque não sou esse filho da puta que você
diz. Digamos que esse seja um pedido de desculpas. – Isaque olhava Davi falar,
mas não sentia mais ódio dele. Era quase uma admiração.
– Vá até
aquele quadro. Retire ele do lugar. Atrás haverá um cofre. A senha é: 280480.
– É o
aniversário dela – disse Isaque incrédulo.
– Sim... –
respondeu Davi com um sorriso. – Retire uma maleta que há dentro do cofre. São
cem mil dólares. Refaça sua vida. Comece de novo. Esqueça o que passou. Esqueça
Raissa, esqueça meu caso com ela. Comece esse novo ano com uma
vida nova.
Isaque olhava
atônito para seu interlocutor após retirar a maleta do cofre. Davi virou o copo
de uísque, e após uma careta, esboçou um sorriso.
– No fundo, eu
sei que você só a quer de volta. Sei que essa coisa de vir aqui me ameaçar,
querer me matar; foi um ato desesperado para chamar atenção dela. No fundo você
ainda a ama. E ela também ama você. Ela se arrependeu. Ela se arrependeu pelo
que fez no final... Ela amava você... Por isso não estou com ela... Ela foi embora. Eu também perdi, mas ao contrário de você, eu sei como vencer. Vá
embora, Isaque. Vença pelo menos uma vez na vida.
Isaque olhou a
mala, devolveu o olhar para o homem, e então virou de costas. Saiu a passos
lentos em direção a saída sem dizer palavra. Davi levantou-se e observou Isaque
sair pelo seu quintal, pulando o
muro. O magnata deu um sorriso, sacou
seu celular e discou um número conhecido:
– Olá delegado.
Lembra-se daquele favor? Sim... preciso agora. Siga para o norte a partir da
minha casa... sim... há uma mala com um chip rastreável... Está repleta de
dólares e cocaína... Prenda em flagrante...
Os dólares? Pode ficar com eles.
Davi desligou
o celular sorrindo.
– Agora estou
vingado – proferiu.
sexta-feira, 1 de setembro de 2017
Meia noite e um
Galerinha... Por favor, se possível, leiam o original com 6 contos de Suspense / Terror MEIA NOITE E UM, é de graça, está no Wattpad, e ajuda muito... obrigado... Meia Noite e Um
domingo, 7 de maio de 2017
A Grande Aposta: Uma Explicação.
A Grande Aposta foi provavelmente o
melhor filme que eu vi ano passado. Eu achei o enredo do filme uma coisa
extraordinária. Tudo que é real é extraordinário, afinal a arte imita a vida,
mesmo que nos dias atuais o cotidiano tende a fazer o contrário, de qualquer
jeito o crash de 2008 foi um tema
fantástico para o filme. O longa fala disso, do colapso do mercado de títulos hipotecários
americanos e dos títulos subprime,
que você, se já assistiu o filme, deve ter ouvido muito.
Imagino que
muitas pessoas não gostaram do filme, mas o que me chateia às vezes é alguém
dizer que “não gosta” de alguma coisa simplesmente porque não entende. Um
exemplo disso é minha esposa. Quem me conhece sabe que meu longa favorito é “O Senhor dos Anéis”, eu já assisti os
três filmes pelo menos treze vezes cada um (sim, eu gosto mesmo) e eu sempre
insistia para minha esposa assistir comigo na época em que namorávamos. A
resposta dela era sempre a mesma: Eu não gosto de Senhor dos Anéis. Droga! Como
alguém pode não gostar de Senhor dos Anéis? De qualquer forma, ao analisar o
fato mais intimamente, percebi que minha esposa (na época, namorada) não
entendia o filme. “Não gostar” é a desculpa para tudo aquilo que você não
entende. Só para deixar claro que hoje ela entendeu o filme, mas acho que
continua não gostando... está perdoada. Esse “não gostar” pode eximir você de
apreciar uma grande obra, mesmo que uma obra popular (best sellers, blockbusters, etc...) e de aprender com ela. A Grande Aposta é um desses casos. Por
isso, se você já assistiu o filme, e “não gostou” vou convidar você a ler essas
linhas e depois assistir de novo, você pode se surpreender.
O começo do
filme fala sobre a mudança do sistema bancário americano dos anos 70. O que
isso significa? Basicamente, o fim da estabilidade monetária. Juros
controlados, inflação baixa, moeda lastreada (em ouro), não enriqueciam
ninguém, afinal de contas, juros e variações de risco é que transformam ricos
em milionários. Coincidentemente, ou não, essa mudança de gerenciamento de
títulos proposto por Lewis Ranieri (Logo no começo do filme) foi contemporânea
ao total abandono do padrão ouro em 1971. Está ficando complicado de entender? Beleza,
vamos dividir esse parágrafo em duas partes distintas para reorganizar o fluxo
de ideias.
Primeiro: O
que é padrão-ouro? Basicamente é lastrear sua moeda em um valor fixo de ouro,
ou seja, se é um minério finito e explorado em quantidades pouco variáveis,
logo a produção de papel moeda é baseada na produção do ouro, estipulando
valores fixos para a quantidade do minério, isso é lastrear a moeda em ouro.
Quais as consequências disso? Basicamente baixa inflação, pois o banco central
não poderia imprimir mais ou menos papel moeda tentando (inutilmente) controlar
a economia. O padrão-ouro sempre deixará a taxa de inflação controlada. Quais
as desvantagens? Para os investidores, esse padrão não permite grandes
alavancagens de consumo e investimento, afinal de contas os juros são sempre
previsíveis, os empréstimos controlados e o enriquecimento rápido a partir das
transações e títulos é quase impossível, afinal, para alguém ganhar, outro tem
que perder, e em uma moeda lastreada, é muito mais difícil ganhar e perder
muito.
Segundo: O que
fez Lewis Ranieri? Esse cara sabe o que é ir do céu ao inferno em quatro anos.
Em 2004 foi considerado um dos maiores inovadores dos últimos 75 anos, e em
2008, foi um dos mais criticados pela “bolha da subprime”, ou seja, a grande crise das hipotecas americanas. Mas o
que fez afinal de contas? Para resumir bem, ele foi um dos idealizadores das
MBSs, que seria algo como “Seguros lastreados em hipotecas”, que são na verdade
uma divisão dos empréstimos de hipoteca feitos por compradores de casa ou para
investidores comerciais. Como Assim? Bom, suponhamos que alguém fez um empréstimo
hipotecário de $200000,00 para serem pagos em trinta anos a uma taxa de 8%, o
banco então fratura essa grana em 200 “tranches”
de $1000,00 a um valor de 7% ao ano, em outras palavras, você empresta $1000,00
ao banco para receber 7% ao ano por isso, o banco então junta duzentas pessoas
iguais a você e reúne os $200000,00 para emprestar a pessoa que quer financiar
a casa via hipoteca. O que isso significa? Significa que você está rendendo seu
milzinho a 7% e o banco está ganhando 1% em cima de nada, afinal quem emprestou
foi você, e o pobre coitado do comprador está perdendo 8% ao ano. Sentiu o
drama? Essa ideia de dividir os títulos hipotecários foi do Ranieri, e a partir
dessas divisões, ele podia rearranjar os títulos da forma que dessem mais
lucros, afinal, as hipotecas variavam, juros maiores para riscos maiores, juros
menores para riscos menores, e daí podia-se construir títulos da forma que se
pudesse reorganizá-los com o intuito de ganhar mais dinheiro para os bancos sem
modificar as hipotecas.
Voltando, o
crash nunca pode ser atribuído a uma coisa só. A criação dessas novas formas de
negociação, apesar de causadoras, não fazem uma economia inteira desmoronar
sozinha. Perceba que nesse momento muita coisa mudou, advento de novas
tecnologias, abandono do padrão-ouro, alavancagem através do fundo de reserva fracionária.
O que é fundo de reserva fracionária? Bom, basicamente é criar dinheiro da onde
não tem. Nada mais é do que uma prática adotada pelos bancos de emprestar ou
investir mais dinheiro do que tem em caixa, contando que as pessoas não
retirarão seu dinheiro todo mundo de uma vez só. Essa informação é importante
para você entender o final do filme, a correria para vender os títulos e sacar
o dinheiro. Logo de início do filme, dá para perceber que o Ranieri mudou a
maneira dos bancos investidores verem o mercado de títulos. Existem diversos
tipos desses MBSs, um deles é o CDO, que são as “Obrigações de Dívidas
Colateralizadas”, as quais são amplamente faladas no filme.
Então, o que
são afinal de contas esses CDOs? São parcelas e parcelas de hipotecas dos mais
diversos, os de alto risco (empréstimos de imigrantes sem trabalho fixo,
prostitutas e pessoas com renda instável) misturados com empréstimos sólidos,
esse monte de “tranches” misturado vira um título chamado CDO. Os bancos
emprestam dinheiro às pessoas que hipotecam suas casas e você empresta dinheiro
ao banco comprando esses títulos. Para resumir: Um indivíduo resolve arrumar um
empréstimo bancário para compra de um imóvel, dando sua casa como garantia
(Hipoteca) e pagando juros por esse empréstimo (similar ao financiamento
habitacional da CAIXA). Então esse banco pega esse empréstimo (e mais milhares
de outros) e transforma isso em “tranches”, ou seja, divide isso em parcelas, e
dessas diversas parcelas formam os “bonds”, nada mais do que títulos de dívida.
O que são
esses títulos: São compromissos de dívidas comprados por banco e investidores,
o comprador da casa tem uma dívida com o banco, esse banco transforma essa (e
diversas outras) dívida em títulos, esses títulos são vendidos a ouros bancos,
que são vendidos a outros, e outros e etc... Quem compra? Os “Investidores”,
pessoas desavisadas como eu e você que confiamos em instituições de avaliação
de investimentos, como a S&P, Moody’s, etc...
Quem sustenta
toda essa alavancagem é o pobre coitado que está tentando comprar a casa. Como
fazer esses juros aumentarem? Simples, basta financiar empréstimos para
qualquer um, mesmo sem avaliar se a pessoa pode comprar, afinal, o objetivo
mesmo é a criação dos títulos que podem ser criados em riscos cada vez maiores
(juros altos), porém avaliados como investimentos seguros. Está notando alguma
semelhança com o sistema brasileiro de financiamento habitacional (Caixa, Minha
casa minha vida, etc)?
Só olhando
assim, tem tudo pra dar errado certo? Sim. Por que ninguém percebeu? Bom, a
complexidade começa ai. A história dos EUA por mais de 70 anos mantinha o
mercado imobiliário “estável”, as pessoas pagavam suas hipotecas e faziam cada
vez mais dívidas. Por que essas pessoas hipotecavam cada vez mais e mais? Por
que os preços das casas estavam subindo, muito. Então eles financiavam uma
casa, vendiam o imóvel a um preço bem maior, e então compravam outro, hipotecando
a nova casa, fazendo novas dividas, vendendo casas e comprando novas, alugando
antigas, fazendo novos empréstimos. Muito parecido com o Brasil, não? Fazer um financiamento
e alugar o imóvel para amortecer a prestação.
O problema era
que esses juros de hipoteca eram variáveis, pois as pessoas que estavam
comprando cada vez mais e mais, nem sempre podiam honrar suas dívidas, e o
risco aumentava. Além disso, as empresas de “Rating” avaliavam esses títulos como investimentos seguros, porque
eles misturavam bons pagadores com mau pagadores no mesmo “bond” e para alavancar os lucros, cada vez mais “tranches” ruins
eram inseridos em títulos considerados ótimos (AAA). Enquanto os preços dos
imóveis continuassem a subir, essa pirâmide funcionaria, mas chegaria um
momento que isso ia ruir, porque haveria mais casas alugando ou vendendo, do
que gente para morar nelas e também, porque os juros aumentariam mais do que a
capacidade das pessoas de pagarem (inadimplência). Isso se chama bolha. Para
piorar ainda mais o problema, existiam os mercados derivativos, ou a tal das CDOs
sintéticas. O que são elas? São títulos paralelos. Eram o título dos títulos.
Se o CDO primário era o conjunto de parcelas hipotecárias, o CDO sintético era
o conjunto de CDOs. Isso alavancava ainda mais o mercado.
Quem apostava
que o mercado ia subir (Operar comprado), ou seja, com o aumento dos preços das
casas, comprava mais CDO, apostando que as pessoas comprariam mais casas,
fariam mais empréstimos e honrariam suas dívidas. Quem apostava que o mercado
ia ruir (Operar vendido), comprava as CDS, que nada mais eram que seguros em
casos de inadimplência hipotecária (algo altamente pouco provável aos olhos dos
bancos, das instituições financeiras e da população), por isso o “prêmio” das
CDSs eram muito maiores.
Para resumir
tudo para você entender o filme de uma vez por todas. Existia o mercado de
títulos CDOs, lastreados nas hipotecas, e o mercado de títulos segurados contra
inadimplência dos pagamentos. Se as pessoas deixassem de pagar suas hipotecas,
ou se ocorresse um estouro da bolha imobiliária, os portadores de CDSs ganhavam
dinheiro, caso contrário, eles continuariam a pagar os honorários ao banco
(igual um seguro de carro que você paga mensal, mas se der PT, você “ganha” o
valor do carro, que é muito maior que o seguro). Quem tem CDOs, ganha com o
contínuo crescimento dos empréstimos e das dívidas honradas da população.
Eu gostei
tanto do filme, que para entender melhor, fiz uns desenhos rudimentares no
power point para tentar visualizar melhor o emaranhado que foi essa crise das “subprimes”. Aí está meu “Fluxograma”, então,
depois disso, coloque a pipoca no micro (Ou faça na panela mesmo, é mais
gostoso) e tente ver o filme de novo, caso você não tenha visto, essas
informações não serão Spoiler para
você. AAAHHH, eu quase ia me esquecendo, tente fazer um paralelo com o mercado
brasileiro, Minha casa minha vida,
LCIs, mercado de opções, e etc. Creio que muitos apenas vão dizer “Ah, mas lá é
diferente”, é...? Pode ser... Mas gosto muito da passagem da Bíblia em
Eclesiastes que diz “... não há nada novo debaixo do sol.”
Boa sessão. OBS.: No NETFLIX você encontra o filme.segunda-feira, 1 de maio de 2017
Síndrome de Robin Hood
Robin Hood é uma figura que
muitos acreditam ter realmente existido. Diversas são as versões de suas
façanhas, porém a mensagem central é a mesma, um herói que rouba dos ricos para
dar aos pobres, se tornando um nobre por isso. Esse comportamento é tão
admirável que creio que Robin Hood deixou de ser apenas um personagem com uma
história marcante, para se tornar um arquétipo de anti-herói. Lindo, não? Seria,
se não passasse de uma história linear onde só existem duas correntes, justiça
e injustiça. Esse preto no branco que só é totalmente palpável em romances.
Recentemente minha esposa e minha
irmã foram sequestradas, extorquidas, feitas reféns e ainda sofreram assalto em
casa de meus pais. Não quero entrar em detalhes do ocorrido, mas posso dizer
que é uma coisa terrível, uma sensação de impotência, raiva e descrédito na
sociedade. A gente tenta dar continuidade à vida, mas a coisa perde o sabor.
Graças ao bom Deus, elas saíram ilesas da situação, porém um dos homens fugiu
(e o outro é menor e logo estará de volta às ruas, espero eu que mude seus
caminhos, sem demagogia), e isso nos causou muita insegurança, pois o tal homem
não foi identificado pela polícia.
Tentaram
localizá-lo na suposta comunidade que ele morava, mas ninguém nunca delataria,
ele simplesmente fugiu, sumiu, desapareceu. Aí que entra a tal síndrome do
Robin Hood, pois as pessoas acreditam que não aconteceu nada demais, afinal os
homens eram pobres e mereciam ter as mesmas coisas que os “ricos”. A ironia
entra quando se confronta a realidade da minha vida e da minha esposa. Temos um
Uno duas portas sem ar nem direção, sério! Ela não trabalha, pois precisou
largar o emprego para cuidar do nosso filho que teve um problema de saúde. Moro
com minha sogra, e por melhor que ela seja, droga eu moro com minha sogra, só
com essa frase eu não precisava dizer mais nada, mesmo que ela fosse a madre
Teresa (e ela não é), aposto que a frase que ela mais usaria comigo seria: “A
dor tem a capacidade de aproximar às almas de Deus”. Cacetada! Esse Robin Hood
deve estar variando das ideias. Ele possuía um Nike oito molas zerado e uma
camisa do Bayern de Munique oficial. Bicho, eu uso o mesmo tênis desde a
faculdade, a única roupa importada que eu tenho, é uma camisa do Star Wars que
comprei no Wallmart nos EUA quando tive a oportunidade de trabalhar lá e me
custou 7 dólares e noventa e nove cents (na época o dólar ainda estava abaixo
dos três reais)! Mas mesmo assim para a comunidade, eles se tornam Robin Hoods.
Estudei
quase toda a vida em colégios públicos, minha mãe foi obrigada a me matricular
em um colégio particular na sétima série por eu estar sofrendo ameaças na
escola. Era coisa a toa, mas o tal garoto que me ameaçava queria que eu fizesse
todas as lições dele, as provas e os trabalhos (inclusive os da dependência do
ano anterior) e se não fizesse eu ia ganhar uns belos tabefes. Ele era primo
dos caras mais perigosos da escola e da favela próxima, e por isso um dos mais
populares da minha idade. Escondi enquanto pude a situação dos meus pais, mas
um dia o tal Robin Hood ligou para minha casa e falou com minha mãe a respeito
da coisa, exigindo os deveres dele. Era fim de semana e eu queria brincar e por
isso resolvi tirar “folga” das minhas atribuições extras, ele não achou a menor
graça e tratou logo de cobrar à minha mãe os deveres dele. Acabou que tive que
mudar de escola.
Essa
época era engraçada. Na escola pública você encontra de tudo. Pequenos marginais,
pessoas com dinheiro, mas que os pais já desistiram de pagar colégio, gente
esforçada, gente realmente inteligente... E essa mistura em geral trás um
ambiente altamente segregado. Os poderosos, em geral, são os que são conhecidos
do pessoal do tráfico de drogas. Seria o equivalente aos esportistas nos filmes
high school de sessão da tarde. Esses
caras eram admirados, de verdade. É quem acha que o certo é roubar os playboys que estudam nos colégios
particulares, afinal eles são ricos, todo mundo tem que ser igual, por que
alguns podem ter e outros não?
Essa
é a merda da mentalidade que se forma desde a escola. Se você tem e eu não, vou
tirar de você porque não é justo. Antes sua mãe chorando que a minha. Passei
isso diversas vezes. Desde lanches roubados até material escolar, uma hora você
acaba passando para o outro lado, começa achar injusto os caras que tem mais
que você também, começa a se tornar popular, ser admirado, logo você se tornou
aquilo que mais odiou. Essa é a maldita síndrome de Robin Hood invertida, vou
tirar dos ricos para dar para mim. Começa a achar que a sociedade te deve
alguma coisa, um vitimismo que só é usado para justificar seus atos, adora ser
visto como uma vítima, porém odeia ser vítima, não tolera ser subjugado, não,
não, isso é para os fracos. Esses Robin Hoods acreditam que são vítimas eternas
das sociedades, não tiveram oportunidades, são produtos do meio, tudo isso para
justificar o ato de tirar de alguém e dar para outro (mesmo que seja ele
mesmo), afinal alguns merecem (eu e meus amigos) outros não.
Se
engana quem acha que isso só acontece na escola pública. Isso é em todo lugar,
essa mentalidade de merda, essa legião da má vontade brasileira. Chefes que
beneficiam seus “camaradas”, projetos culturais apoiados pelo governo, bolsa
isso e aquilo só para quem é “da galera”, benefícios diversos para o “grupo de
amigos”. Afinal de contas, “Aos amigos favores, aos inimigos a lei”. Essa coisa invertida me deixa louco. Vale
tudo para se conseguir o que deseja. Olha os governos aí que não deixam mentir.
Lula disse que Dilma “pedalou” para dar o bolsa família, olha, temos uma Robana
Hood. Sinceramente eu torço para que as pessoas olhem seus caminhos tortuosos e
os consertem, porque tão pouco matar adiantaria alguma coisa, mortos não
convertidos se tornam mártires (já dizia George Orwell), Robin Hoods executados
pela polícia logo viram heróis e só servem de inspiração aos aspirantes (vide o
que está acontecendo no Brasil).
A verdade é que essa mentalidade
retrógrada, marginalizada e enraizada de Robin Hood só serve para justificar
qualquer ato, em nome de uma dificuldade passada vale tudo. É fácil você
explicar porque um pobre roubou ou matou, mas é difícil explicar os milhares e
milhares de pobres que seguiram os caminhos da justiça e da legalidade. Juro,
isso tem que acabar, não será justificando atos que se mudará um pensamento,
uma mentalidade, o que muda o ser humano é a compreensão, compreensão do seu
derredor, do seu mundo. Mudaram as escolas, as matérias para a realidade dos
que entram, mudando o ensino pela pessoa, quando na verdade a pessoa devia ser
mudada pelo ensino. Se um cão caga sua sala, você não deve tornar a sala seu
lugar de evacuação para dizer aos quatro ventos que tem um cão educado à cagar
na sala, e sim discipliná-lo até que ele aprenda a cagar no quintal, ora bolas.
O erro do nosso país foi ensinar o moral invertido da história de Robin Hood,
criando uma síndrome incurável da vítimas opressoras que acham que tudo se
justifica para que não precisem mudar e refazer seus caminhos. É como querer
mudar toda matemática para provar um teorema, ou toda física para provar uma
teoria.
Enquanto não se entender que o
ser humano precisa encarar seus demônios internos, mudar seus caminhos,
aprender com seus erros e acima de tudo, ser admirado por fazer um caminho
correto, recompensado por fazer o certo, nunca o Brasil deixará de ser um
celeiro de Robin Hoods.
quinta-feira, 20 de abril de 2017
Deixe eu me apresentar novamente...
Mudar é difícil, sério bicho, é difícil demais. Em geral porque ninguém percebe que você mudou ou quer mudar, e na maioria das vezes ninguém quer que você mude, já estão acostumados com você assim. Acho que todo mundo, pelo menos uma vez na vida, já fez uma auto-análise e percebeu que necessitava de uma mudança brusca. É uma merda descobrir que você não é quem queria ser, que errou mais que acertou, que fez mal aos outros e a si próprio. A verdade universal é: Todo mundo erra. Uns mais outros menos.
Às vezes eu gostaria que nós pudéssemos nos "resetar" como as máquinas, começando do zero, com um "Deixe eu me apresentar novamente". É duro perceber que você só quer ser alguém melhor e falha compulsivamente nessa coisa todos os dias. Claro que não sou o mesmo de ontem e nem serei amanhã do mesmo jeito que sou hoje, mas acho sinceramente isso uma pena, acho triste o ser humano passar uma vida inteira buscando o sentido das coisas e na maioria das vezes descobrir que o sentido esteve ali todo o tempo, perceber que passou a maior parte da vida errando para descobrir que estava tudo ali e você não percebeu... Que bosta. Coisas como: eu devia ter escutado mais os meus pais, eu devia ter arriscado mais, devia ter pedido mais perdão, devia ter amado mais... Sei lá, cada um tem alguma coisa que devia ter feito mais e melhor... Só é uma pena... Sinceramente é um pesar mórbido... Eu só queria chegar para àqueles que me conheceram um minuto atrás e dizer: Deixe eu me apresentar novamente, eu quero mudar seu juízo sobre mim... Eu mudei, eu mudo e eu mudarei, espero que para melhor...
Às vezes eu gostaria que nós pudéssemos nos "resetar" como as máquinas, começando do zero, com um "Deixe eu me apresentar novamente". É duro perceber que você só quer ser alguém melhor e falha compulsivamente nessa coisa todos os dias. Claro que não sou o mesmo de ontem e nem serei amanhã do mesmo jeito que sou hoje, mas acho sinceramente isso uma pena, acho triste o ser humano passar uma vida inteira buscando o sentido das coisas e na maioria das vezes descobrir que o sentido esteve ali todo o tempo, perceber que passou a maior parte da vida errando para descobrir que estava tudo ali e você não percebeu... Que bosta. Coisas como: eu devia ter escutado mais os meus pais, eu devia ter arriscado mais, devia ter pedido mais perdão, devia ter amado mais... Sei lá, cada um tem alguma coisa que devia ter feito mais e melhor... Só é uma pena... Sinceramente é um pesar mórbido... Eu só queria chegar para àqueles que me conheceram um minuto atrás e dizer: Deixe eu me apresentar novamente, eu quero mudar seu juízo sobre mim... Eu mudei, eu mudo e eu mudarei, espero que para melhor...
quarta-feira, 19 de abril de 2017
Baleia Azul: O reflexo de uma sociedade solitária.
Nos dias atuais o sucesso individual é uma das características mais valorizadas pela sociedade. Esse tipo de vitória estimula grandes feitos individuais na mesma medida que apaga ou desencoraja feitos em grupo. A aclamação por um líder, um herói e um mito, é mais desejada, muitas vezes, do que um elenco entrosado, consistente e regular, no qual, seus membros possuem prestígio equiparado e habilidades próximas. Desde a separação de conjuntos musicais, que buscam carreira solo, como em corporações onde os líderes se vangloriam, muitas vezes sozinhos, e se beneficiando das bonificações da vitória não repassando parte desse sucesso à sua equipe, afinal, ninguém faz nada (ou quase nada) sozinho. Líderes religiosos que se enriquecem às custa de fiéis, individualizando seu sucesso como um sinal divino, colocando-se em um posto "abençoado" acima dos demais, ou até mesmo um pai de família que mente a si mesmo dizendo que faz tudo sozinho na casa.
Esse individualismo reflete em todas as camadas, aqueles que conseguem se tornar "anti-frageis" dão pouca importância a isso e continuam vivendo da mesma forma, pouco se importando com o sucesso individual, sendo este apenas uma consequência de seu próprio trabalho individual em prol da sociedade e não o motivo fim, e objetivo de realizações.
Isso causou uma polarização social, algo como dois tipos de pessoas, os que se adaptam bem a esse mundo individualizado, gostam e preferem que seja assim, e os que acabam se tornando solitários. Esses últimos, não sabem ou não conseguem viver em um mundo individual, necessitando de outros que os estimulem, acompanhem e compartilhem, para que o ostracismo não os domine, a solidão não se manifeste e a depressão não os persiga. Seres humanos são criaturas sociáveis, mas a cada dia, os homens preferem se afastar tornando a convivência algo virtual.
Acredito que esse vácuo de convivência dê lugar a pensamentos depressivos e suicidas. Um indivíduo que compartilha seus medos e inseguranças com outros, em geral, tende a superar esses obstáculos, entretanto as amizades virtuais, o distanciamento da família e as relações superficiais, não dão brecha para esse tipo de conversa. Os solitários então se entregam a desafios de auto flagelo, como o da baleia Azul. O objetivo é óbvio, pelo menos para mim, um pedido velado de entrosamento e até de compreensão, mesmo em uma relação distante e prejudicial, no fundo eles tentam fundir tanto o sucesso individual (juntando-se a esses grupos) com a conclusão dos desafios depressivos e suicidas (sendo essas as últimas motivações dos participantes) como uma solução final para um mundo em que eles não se enquadram.
Os jovens estão mais suscetíveis a isso, infelizmente. A baleia Azul acaba sendo um pedido de ajuda, não apenas individual, mas de uma sociedade doente, onde o sucesso, a fama e a vitória (Mesmo que mórbida) promete ao solitário uma platéia para o aplaudir.
Esse individualismo reflete em todas as camadas, aqueles que conseguem se tornar "anti-frageis" dão pouca importância a isso e continuam vivendo da mesma forma, pouco se importando com o sucesso individual, sendo este apenas uma consequência de seu próprio trabalho individual em prol da sociedade e não o motivo fim, e objetivo de realizações.
Isso causou uma polarização social, algo como dois tipos de pessoas, os que se adaptam bem a esse mundo individualizado, gostam e preferem que seja assim, e os que acabam se tornando solitários. Esses últimos, não sabem ou não conseguem viver em um mundo individual, necessitando de outros que os estimulem, acompanhem e compartilhem, para que o ostracismo não os domine, a solidão não se manifeste e a depressão não os persiga. Seres humanos são criaturas sociáveis, mas a cada dia, os homens preferem se afastar tornando a convivência algo virtual.
Acredito que esse vácuo de convivência dê lugar a pensamentos depressivos e suicidas. Um indivíduo que compartilha seus medos e inseguranças com outros, em geral, tende a superar esses obstáculos, entretanto as amizades virtuais, o distanciamento da família e as relações superficiais, não dão brecha para esse tipo de conversa. Os solitários então se entregam a desafios de auto flagelo, como o da baleia Azul. O objetivo é óbvio, pelo menos para mim, um pedido velado de entrosamento e até de compreensão, mesmo em uma relação distante e prejudicial, no fundo eles tentam fundir tanto o sucesso individual (juntando-se a esses grupos) com a conclusão dos desafios depressivos e suicidas (sendo essas as últimas motivações dos participantes) como uma solução final para um mundo em que eles não se enquadram.
Os jovens estão mais suscetíveis a isso, infelizmente. A baleia Azul acaba sendo um pedido de ajuda, não apenas individual, mas de uma sociedade doente, onde o sucesso, a fama e a vitória (Mesmo que mórbida) promete ao solitário uma platéia para o aplaudir.
sábado, 15 de abril de 2017
Conversa Motivacional
Recentemente tive uma conversa com um amigo de trabalho. Ele é o tipo "Funcionário Perfeito", sempre disposto a acatar ordens, extremamente trabalhador, competente e totalmente dedicado à empresa. Sério, eu admiro gente assim, que você vê nos olhos dela que a coisa que ela mais ama na vida é o trabalho. Apenas para exemplificar o caso, uma vez eu tive que ir à empresa em um domingo às sete dá noite pegar uns documentos importantes pois eu iria viajar na segunda e precisava deles, encontrei esse colega lá, quando eu perguntei espantado o que ele fazia na empresa naquele horário, ele respondeu que "estava entediado em casa e resolveu ir na empresa ver se podia adiantar alguma coisa", vale lembrar que em seu controle de ponto ele deixou folga, pois foi iniciativa dele mesmo ir e ele não achava justo ganhar o dia a mais... Sério, isso é lindo!
Já estava na boca do povo que meu nome estava rodando na "Lista". Quem trabalha em grandes corporações sabe como essas listas misteriosas são uma desgraça sem tamanho. Todo mundo com medo, apreensivo, fazendo contas na cabeça, pensando nos cônjuges e nos filhos... Eu confesso, também fico assim, ou melhor, já fiquei muito, as ameaças são tão constantes e cada vez maiores em tempos de crise que a gente deixa de se importar muito depois de um tempo para não bater biela... Mas esse amigo gosta muito de mim, eu o ensinei muitas coisas e ele se importa comigo, de verdade, sem demagogia. Quando ele soube dos rumores, tratou logo de ter aquela "Conversa Motivacional", afinal ele não queria me ver no olho dá rua com mulher e filho pequeno para sustentar.
Me chamou no canto e começou a falar que eu era bom, que não podia desanimar, que eu devia me dedicar mais, que estava difícil mesmo, que eu não podia contar com a sorte... Eu sabia porque ele estava dizendo isso, nosso antigo chefe teve um desentendimento comigo por bobeira (ele estava uma pilha e duas vezes mais pressionado que qualquer um) e meu feedback com ele estava péssimo, pior, nem tivemos chance de conversar direito para que eu pudesse mostrar meu ponto de vista, ele entendeu algumas colocações minhas totalmente errado, enfim, ele não estava muito afim de ouvir, e pra dizer a verdade eu também não estava com muito saco para me explicar. Fato foi que ele jogou meu nome para alta gerência e fiquei por um fio de cabelo da demissão. A minha sorte foi que ele acabou indo para outra posição, e o novo chefe gostava de mim e resolveu me deixar na empresa, por isso esse amigo disse que eu não podia contar mais com a "sorte". Está aí uma coisa que me mata, sorte, eu tive sorte, não foram anos de trabalho bem feito... não, não foram dias e dias fora de casa, pouquíssimo tempo com minha família, datas perdidas, aniversários perdidos, primeiro natal e ano novo do meu filho eu estava a 100 km da capital do ISIS no Iraque trabalhando, não foram os diversos trabalhos internacionais de sucesso, não... Foi sorte... Cara, como eu sou sortudo.
Eu adoro esse meu amigo, mas minha vontade era pedir permissão pra cagar e sair fora dá conversa. Ele veio com aquela conversa que a empresa paga meu salário, e que eu devia me dedicar ainda mais nesse momento de crise, que eu devia cortar o cabelo (e eu acabei cortando mesmo) me mostrar melhor. Tentei explicar que aquilo era um coisa geral, todo mundo estava sobrecarregado, tentei dizer a ele que era uma reação normal, todo mundo trabalhado mais, ganhando menos, sendo muito mais cobrado e pressionado, que era normal aquele desanimo geral, mas ele respondeu que não podia ser assim, que agora era a hora de dar ainda mais (sério velho, eu tô com 4 meses de folga acumuladas, mesmo se eu quisesse muito, eu ia ter que pedir folga pra ter tempo de me dedicar) e deu seu recado motivacional dizendo que eu tinha que pensar na minha esposa e filho. Eu ouvi... É isso que a gente faz quando uma pessoa quer falar e não ouvir argumentos contrários, quando ela desconhece sua realidade, seus sentimentos e mesmo assim acha que tem a solução pra sua vida, você ouve. Ouve e fica balançando a cabeça de modo afirmativo pensando se vai dar tempo de comprar o presente de aniversário da sua esposa.
Eu sei que ele fez o papel de amigo dele, sério não quero ser mal agradecido, ele está preocupado com meu emprego e minha família, eu sei disso, a verdade é que estou de saco cheio. Eu também estou preocupado com minha família cacete, estou preocupado em nunca estar em casa quando meu filho aprende algo novo, de não ter tempo de coloca-lo para dormir, estou preocupado com minha esposa que vive sozinha sobrearregada, estou preocupado com minha família, pode apostar. Ele finalizou a conversa perguntando se eu quero perder o emprego já que a chefia estava sentindo que eu não estava "rendendo" e era melhor me demitir e contratar dois caras, segundo eles tem "filas de desempregados querendo" meu lugar. Claro que não quero perder eu emprego, mas antes disso, não quero perder minha família. Ele então me aconselhou a dar o melhor de mim, me esforçando em fazer mais, trabalhar mais, desenvolver mais projetos nas folgas (que folgas?!!), garantir meu emprego e não contar com a "sorte". Agradeci os conselhos, e ele pareceu feliz em me "ajudar".
Entendi tudo e tal, talvez ele até estivesse certo, mas a verdade mesmo era que eu queria que ele me mostrasse a loja que ele estava comprando a felicidade da família dele enquanto passava sua vida trabalhando para a felicidade da empresa.
domingo, 9 de abril de 2017
Notícias do Fim do Mundo
Quem tem o costume de ler essas mal traçadas linhas sabe que eu gosto de coincidências. Talvez eu tenha dito que gosto de padrões matemáticos, porém o que são eles se não coincidências numéricas? De qualquer forma coisas "estranhas" sempre precedem grandes acontecimentos.
Por exemplo, em 18 de Junho de 1940, o general francês Charles De Gaulle, fugido das invasões nazistas, foi para Inglaterra e foi recebido por Churchill, lá fez uma transmissão de rádio admitindo que a França havia perdido a batalha, mas não a guerra, a coincidência está no fato de, nessa mesma data, 125 anos antes, Napoleão perdia a batalha de Waterloo.
A vida está cheia de coincidências, e eu sempre acho que são uma espécie de preságio, talvez eu seja um pouco superticioso (e também sou botafoguense, seria isso um presságio?).
Por exemplo o "milagre" do sangue de São Gennaro, em que em o sangue seco do santo se torna líquido em três datas distintas desde 1389. Às vezes que isso não aconteceu, foram prenúncios de grandes catástrofes, como em 1527 quando milhares de pessoas morreram pela praga, e em 1939, ano que se iniciou a segunda guerra mundial. Em 16 de Dezembro de 2016 o "milagre" não ocorreu, e as bocas começaram a falar que era o prenúncio de um 2017 amaldiçoado, será?
Em 18 de Fevereiro deste ano, Trump falou sobre um ataque acontecido na Suécia no dia anterior (17 de Fevereiro, sexta feira), ele foi ridicularizado, obviamente, afinal nenhum ataque terrorista havia sido feito contra a Suécia. Pois bem, em uma outra sexta feira, 49 dias depois, um ataque terrorista acontece em Estocolmo. Que coincidência, não?
E os ataques à Síria? Todos sabem que Trump durante sua campanha fazia um apoio "velado" à Bashar Al-Assad, assim como Putin. Nessa mesma época, Turquia e Rússia estavam no auge de suas tensões. Caças russos derrubados na Síria por turcos, embaixador Russo morto por radical turco... Enfim, conflitos geopoliticos.
De repente um ataque químico, supostamente orquestrado por Assad muda tudo. Trump, quase sempre favorável a Putin e Assad, ordena o bombardeio com mais de 50 Tomahawk contra às bases de Assad, dando uma reviravolta no contexto das relações internacionais, mudando tudo. Coincidência ou não, os especialistas que afirmaram se tratar de gás tóxico Sarin, foram turcos. Que estranho...
A verdade é que sou aficionado por essas coisas, a mim, me parecem, prenúncios do caos. Gosto de falar para as pessoas prestarem atenção nas "estranhezas" econômicas, sociais e políticas, gosto de instigar isso nelas porque sinto que temos uma memória muito curta, somos bons para captar mensagens curtas e rápidas, ter raciocínio de tomada de decisão imediatas e facilidade em tirar conclusões enormes em pequenos textos (vide tweet), mas isso também faz com que esqueçamos os pormenores escondidos e misteriosos que nos rodeiam. Apenas um conselho, precisamos ficar atentos a essas notícias do fim do mundo.
sábado, 8 de abril de 2017
Carta à esposa do embarcado
Meu amor,
Chegou o dia do embarque. A RT está impressa, a mala feita. Já verifiquei meus itens pessoais e de higiene. Chegou a hora de ir para a plataforma. Sei que fiquei apenas três dias em casa, talvez eu não tenha dito "eu te amo" e nem brincado suficientemente com nosso filho. Acho que gritei mais do que de costume, me desculpe, não pude evitar, na verdade eu poderia, agora, pensando melhor, eu não deveria ter gritado quando não achei a chave do carro, ou àquela camisa nova, mas eu precisava dela, eu tinha uma reunião com o chefe e ele está no meu pé, acha que eu não estou "rendendo" suficiente. Como você sabe, nos últimos três meses passei apenas nove dias em casa, acho que estou cansado, talvez seja estafa, vai saber...
Nosso filho aprendeu onze novas palavras nos últimos quinze dias que estive fora, me lembrei que também não o vi dar os primeiros passos, estava fora no primeiro natal e ano novo, perdi também nosso aniversário de casamento, porém comprei o presente, o correio mandou. Não fui à formatura da minha irmã, nem nas bodas de meus pais. Faz parte...
Mas a mala está lá na sala olhando para mim. Depois de tantos anos a véspera do embarque continua me agitando, a noite foi mal dormida. Sabe o filme Deepwater Horizon ? Não que eu pense que vai acontecer comigo, afinal nunca aconteceu nada, espero que continue assim, mas a véspera continua tão assustadora quanto a primeira vez. No helicóptero sempre terão aqueles que farão o sinal dá cruz, outros que farão suas orações em silêncio, àqueles que se agitarão, os que se enrolam com o cinto de segurança ou o colete salva-vidas... Normal, todo embarque tem.
Parece que a vida para aqui em cima. Sinto que o relógio dos acontecimentos trava até eu voltar, mas ele para só pra mim, a vida continua aí embaixo, nosso filho aprende novas palavras e peripécias, entretanto eu não estou vendo, tudo para mim é reprise, não consigo comprar as entradas das estreias das nossas vidas. A vida está passando enquanto estou aqui... O relógio não descansa esperando que eu volte para casa.
Lembro que nosso filho estranhava quando eu chegava, demorava a "se soltar" de novo comigo. É horrível. Não que ele não reconhecesse, eu sei que ele reconhece, é pior que isso, eu sei que ele está chateado, o pai dele sumiu, deixou ele, voltando duas semanas depois, sem aviso, fingindo que nada havia acontecido. Para mim é um espaço, eu só quero voltar onde parei, mas pra ele não é assim, eu sei, eu sinto. Isso me chateia, mas agora ele se acostumou com minha ausência, e não sei o que é pior, se é meu filho "puto" com minha falta ou acostumado com minha ausência.
Sei que você pede para eu largar tudo, e eu penso isso, mais de uma vez por dia, porém como vou fazer isso? Como sustentar vocês? Sei que você fala que precisa dá minha presença e não do meu trabalho, mas você concorda que é trocar um problema por outro? Talvez ainda maior?
De qualquer forma a vida não para, eu as vezes sinto que ela para por quinze dias esperando eu voltar, mas ela não espera e parece água escorrendo das minhas mãos. Tento mentir para mim mesmo dizendo que na verdade sou um guerreiro solitário indo em busca do nosso sustento, um homem do mar se sacrificando pela família... Quem estou querendo enganar? Sou um peão. Um homem que não sabe fazer mais nada além de embarcar e me sujar, seguir ordens e as vezes engolir certas humilhações e injustiças pensando no salário no final do mês, fui moldado (ou deixado moldar). Sinto que não sei fazer mais nada, por mais que eu queira ser outra coisa, as vezes penso que não sei fazer mais nada além de viver essa vida louca.
Queria estar com vocês, lembro do sorriso do nosso filho, lembro de você... Uma imensidão azul está entre a gente... Posso apenas pedir que vocês me esperem, mais um vez... Talvez dessa vez o tempo que a gente passar junto possa preencher essa distância, ou pelo menos encurta-la, não sei, acho que a cada embarque sou um ser diferente, um ser mais distante até o ponto que eu seja um completo estranho, porém aumento essa esperança de me tornar parte da família de novo, uma esperança cada vez tão distante que talvez eu já tenha que substituir a palavra por fé...
Mais uma vez te peço, me espere... E não desista de me esperar ou de não me deixar ir... Eu estou voltando, e como dizia o Lulu Santos, "Eu estou voltando para casa outra vez."
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