sábado, 15 de abril de 2017

Conversa Motivacional



Recentemente tive uma conversa com um amigo de trabalho. Ele é o tipo "Funcionário Perfeito", sempre disposto a acatar ordens, extremamente trabalhador, competente e totalmente dedicado à empresa. Sério, eu admiro gente assim, que você vê nos olhos dela que a coisa que ela mais ama na vida é o trabalho. Apenas para exemplificar o caso, uma vez eu tive que ir à empresa em um domingo às sete dá noite pegar uns documentos importantes pois eu iria viajar na segunda e precisava deles, encontrei esse colega lá, quando eu perguntei espantado o que ele fazia na empresa naquele horário, ele respondeu que "estava entediado em casa e resolveu ir na empresa ver se podia adiantar alguma coisa", vale lembrar que em seu controle de ponto ele deixou folga, pois foi iniciativa dele mesmo ir e ele não achava justo ganhar o dia a mais... Sério, isso é lindo!
Já estava na boca do povo que meu nome estava rodando na "Lista". Quem trabalha em grandes corporações sabe como essas listas misteriosas são uma desgraça sem tamanho. Todo mundo com medo, apreensivo, fazendo contas na cabeça, pensando nos cônjuges e nos filhos... Eu confesso, também fico assim, ou melhor, já fiquei muito, as ameaças são tão constantes e cada vez maiores em tempos de crise que a gente deixa de se importar muito depois de um tempo para não bater biela... Mas esse amigo gosta muito de mim, eu o ensinei muitas coisas e ele se importa comigo, de verdade, sem demagogia. Quando ele soube dos rumores, tratou logo de ter aquela "Conversa Motivacional", afinal ele não queria me ver no olho dá rua com mulher e filho pequeno para sustentar.
Me chamou no canto e começou a falar que eu era bom, que não podia desanimar, que eu devia me dedicar mais, que estava difícil mesmo, que eu não podia contar com a sorte... Eu sabia porque ele estava dizendo isso, nosso antigo chefe teve um desentendimento comigo por bobeira (ele estava uma pilha e duas vezes mais pressionado que qualquer um) e meu feedback com ele estava péssimo, pior, nem tivemos chance de conversar direito para que eu pudesse mostrar meu ponto de vista, ele entendeu algumas colocações minhas totalmente errado, enfim, ele não estava muito afim de ouvir, e pra dizer a verdade eu também não estava com muito saco para me explicar. Fato foi que ele jogou meu nome para alta gerência e fiquei por um fio de cabelo da demissão. A minha sorte foi que ele acabou indo para outra posição, e o novo chefe gostava de mim e resolveu me deixar na empresa, por isso esse amigo disse que eu não podia contar mais com a "sorte". Está aí uma coisa que me mata, sorte, eu tive sorte, não foram anos de trabalho bem feito... não, não foram dias e dias fora de casa, pouquíssimo tempo com minha família,  datas perdidas, aniversários  perdidos, primeiro natal e ano novo do meu filho eu estava a 100 km da capital do ISIS no Iraque trabalhando, não foram os diversos trabalhos internacionais de sucesso, não... Foi sorte... Cara, como eu sou sortudo.
Eu adoro esse meu amigo, mas minha vontade era pedir permissão pra cagar e sair fora dá conversa. Ele veio com aquela conversa que a empresa paga meu salário, e que eu devia me dedicar ainda mais nesse momento de crise, que eu devia cortar o cabelo (e eu acabei cortando mesmo) me mostrar melhor. Tentei explicar que aquilo era um coisa geral, todo mundo estava sobrecarregado, tentei dizer a ele que era uma reação normal, todo mundo trabalhado mais, ganhando menos, sendo muito mais cobrado e pressionado, que era normal aquele desanimo geral, mas ele respondeu que não podia ser assim, que agora era a hora de dar ainda mais (sério velho, eu tô com 4 meses de folga acumuladas, mesmo se eu quisesse muito, eu ia ter que pedir folga pra ter tempo de me dedicar) e deu seu recado motivacional dizendo que eu tinha que pensar na minha esposa e filho. Eu ouvi... É isso que a gente faz quando uma pessoa quer falar e não ouvir argumentos contrários, quando ela desconhece sua realidade, seus sentimentos e mesmo assim acha que tem a solução pra sua vida, você ouve. Ouve e fica balançando a cabeça de modo afirmativo pensando se vai dar tempo de comprar o presente de aniversário da sua esposa.
Eu sei que ele fez o papel de amigo dele, sério não quero ser mal agradecido, ele está preocupado com meu emprego e minha família, eu sei disso, a verdade é que estou de saco cheio. Eu também estou preocupado com minha família cacete, estou preocupado em nunca estar em casa quando meu filho aprende algo novo, de não ter tempo de coloca-lo para dormir, estou preocupado com minha esposa que vive sozinha sobrearregada, estou preocupado com minha família, pode apostar. Ele finalizou a conversa perguntando se eu quero perder o emprego já que a chefia estava sentindo que eu não estava "rendendo" e era melhor me demitir e contratar dois caras, segundo eles tem "filas de desempregados querendo" meu lugar. Claro que não quero perder eu emprego, mas antes disso, não quero perder minha família. Ele então me aconselhou a dar o melhor de mim, me esforçando em fazer mais, trabalhar mais, desenvolver mais projetos nas folgas (que folgas?!!), garantir meu emprego e não contar com a "sorte". Agradeci os conselhos, e ele pareceu feliz em me "ajudar".
Entendi tudo e tal, talvez  ele até estivesse certo, mas a verdade mesmo era que eu queria que ele me mostrasse a loja que ele estava comprando a felicidade da família dele enquanto passava sua vida trabalhando para a felicidade da empresa.

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