quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Conto: Feliz Ano Novo

 – Feliz ano novo  – disse o homem apontando sua Magnum .44 para a cabeça do outro que estava sentado em uma acolchoada poltrona  –, seu filho da puta. – O homem sentado não demonstrou qualquer reação. Mantinha suas pernas cruzadas, apoiando o braço, que segurava o copo de uísque, sobre o joelho.
– Como entrou aqui? – perguntou o homem sentado.
– Não importa. Hoje você vai pagar por tudo.
– Você é um cara interessante, Isaque – disse o homem com uísque. – Achei que já havia superado tudo, afinal, faz quatro anos...
– Cinco  – interrompeu Isaque.
– Isso! Cinco anos. E você escolhe essa data peculiar. Você é realmente interessante.
– Você tinha tudo, Davi. Seu nome não nega isso. Tinha tudo, mas quis a única coisa que era valiosa para mim. Você é um filho da puta de merda, exatamente como o Davi bíblico – disse Isaque.
– Raissa não é uma coisa, meu caro. Ela fez a escolha dela.
– Você a levou a isso! – berrou Isaque, engatilhando a arma. – Você era a porra do diretor da empresa que ela trabalhava. O que queria que ela fizesse? Tínhamos contas a pagar e eu...
– Sim, eu sei. Você estava desempregado – interrompeu Davi.  – Eu conheço a história. Olha Isaque, o que passou, passou. Supere isso de uma vez. Aproveite o ano novo. Como dizem por aí: Ano novo, vida nova.
O barulho do disparo ecoou no luxuoso escritório. Mas nem mesmo assim o diretor esboçou qualquer reação. Até mesmo seu piscar de olhos fora controlado.
– Você estragou meu piso, Isaque  – disse Davi.
– Eu devia ter atirado na sua cara.
– Você é um homem problemático. Já pensou que ela pode tê-lo deixado por isso? E que você está concentrando sua fúria em mim? Foi apenas um caso. Um casinho de nada.
– Você destruiu minha vida! – berrou Isaque, derrubando a luminária que estava sobre a mesa, espatifando-a no chão.
– Era importada – disse Davi. – Eu adorava essa luminária.
– Vou mata-lo. Depois matarei Raissa.
– Pois vá em frente  – disse Davi. – Vá em frente. Mate-me, e depois mate a ela. Depois disso, sua vida será muito mais fácil. A polícia vai descobrir você em poucos segundos. Você será preso em poucas horas, e essa sua bundinha será a nova diversão da rapaziada da cela. Ou você já se esqueceu do vexame que foi nosso último encontro?
– Como posso esquecer se hoje faz cinco anos.
– Então... Tudo seria diferente se você não tivesse aparecido na festa de fim ano da empresa. Raissa sempre me disse que você não fazia nada. Não saia com ela, não se divertia. Você havia sido convidado para nossa festa, e não quis ir. Sua chegada surpresa lá, e aquele vexame... Você sabe que se eu morrer... você é o maior suspeito.
– Eu devia ter matado vocês dois ali mesmo. Há quanto tempo você estava comendo minha mulher?
– O que isso importa agora? Ela não é mais sua mulher. Nem minha. Ela não é de ninguém. Ela não é uma coisa, Isaque.
– Você tinha tudo! – berrou Isaque. – Os melhores carros, as mulheres que queria, todo o dinheiro do mundo. Por que Raissa também?
– Ora... mas isso é muito simples... Eu a queria, porque não a tinha.
Isaque começou a chorar copiosamente.
– Que cena patética, Isaque  – disse Davi. – Odeio ver homens chorando. Foi há cinco anos. Eu nem me lembro mais dela... E outra... Ela fodia muito mal.
– Você é um filho da puta.
– Isaque – disse Davi  –, me matar, e depois matar Raissa, não vai vinga-lo. Vai por mim, vingança não é isso. Vingança é o que fiz com você. Sua ex-mulher me rejeitou várias vezes, mesmo você sendo um insensível, grosso e duro sem ter onde cair. Ela preferiu um fodido igual você, a mim, muitas vezes... Isso machucou meu ego, virou uma disputa pessoal. Vingança é isso... Ver um homem que tinha o que eu queria, que destruiu minha festa de ano novo há cinco anos, que fez um vexame horrível na frente dos meus empregados, chorando como uma criança na minha frente.
– Foda-se, cara. Vou matar você assim mesmo.
– Além de mal perdedor, você é burro. Isso que você está prestes a fazer vai ser a maior idiotice da sua vida. Aproveite o ano novo, e mude de vida. Esqueça Raissa, me esqueça. Viva sua vida, comece de novo. Você acha que eu ganhei todas as disputas? Lógico que não! A grande diferença do vencedor para o perdedor é o fato do vencedor não se apegar às derrotas, como você está fazendo agora. Se você me matar, sei que não terá coragem de matar Raissa. Vejo isso nos seus olhos. Você é um frouxo, você nunca matou ninguém... Não vai mata-la... Você quer mostrar uma hombridade que não tem. Ela vai ter pena de você. Se você me matar, vai ficar tão apavorado, que vai fugir... Vai fugir e será pego. – Isaque começou a chorar ainda mais, caindo de joelhos no tapete.

– O que eu devo fazer? – disse Isaque entrecortado por choro.
– Comece de novo. E eu vou te ajudar. Vou te ajudar porque não sou esse filho da puta que você diz. Digamos que esse seja um pedido de desculpas. – Isaque olhava Davi falar, mas não sentia mais ódio dele. Era quase uma admiração.
– Vá até aquele quadro. Retire ele do lugar. Atrás haverá um cofre. A senha é: 280480.
– É o aniversário dela – disse Isaque incrédulo.
– Sim... – respondeu Davi com um sorriso. – Retire uma maleta que há dentro do cofre. São cem mil dólares. Refaça sua vida. Comece de novo. Esqueça o que passou. Esqueça Raissa, esqueça meu caso com ela. Comece esse novo ano com uma vida nova.
Isaque olhava atônito para seu interlocutor após retirar a maleta do cofre. Davi virou o copo de uísque, e após uma careta, esboçou um sorriso.
– No fundo, eu sei que você só a quer de volta. Sei que essa coisa de vir aqui me ameaçar, querer me matar; foi um ato desesperado para chamar atenção dela. No fundo você ainda a ama. E ela também ama você. Ela se arrependeu. Ela se arrependeu pelo que fez no final... Ela amava você... Por isso não estou com ela... Ela foi embora. Eu também perdi, mas ao contrário de você, eu sei como vencer. Vá embora, Isaque. Vença pelo menos uma vez na vida.
Isaque olhou a mala, devolveu o olhar para o homem, e então virou de costas. Saiu a passos lentos em direção a saída sem dizer palavra. Davi levantou-se e observou Isaque sair  pelo seu quintal, pulando o muro.  O magnata deu um sorriso, sacou seu celular e discou um número conhecido:
– Olá delegado. Lembra-se daquele favor? Sim... preciso agora. Siga para o norte a partir da minha casa... sim... há uma mala com um chip rastreável...  Está repleta de dólares e cocaína... Prenda em flagrante...  Os dólares? Pode ficar com eles.
Davi desligou o celular sorrindo.

– Agora estou vingado – proferiu.

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