Por que engenharia e literatura não podem ser irmãs? Por que um engenheiro não pode ser também escritor? Por que letras e números devem ter aversão entre si? Não nesse local. Esse é um blog para amantes da literatura e dos números, um blog criado por um engenheiro, porém que fala de letras e palavras.
quarta-feira, 17 de janeiro de 2018
Conto: Não dou flores
Não dou flores. Simplesmente não consigo fazer esse gesto. Nem pelo amor da minha vida, nem por nenhum amor adolescente que tive, nem por qualquer amor futuro, mãe dos meus filhos... quem quer que seja. Eu não dou flores. Perdi grandes paixões por esse orgulho. Dizem que é infundado. Elas sempre esperam o buquê com rosas vermelhas, mas eu não consigo. Perdi o amor da minha vida assim. “Por que você nunca me deu flores” – ela perguntou. “Não dou flores, não fiz nada de errado, não tenho por que pedir desculpas".
Dar flores, para mim, sempre pareceu o tipo da coisa que se faz quando a cagada feita é muito grande. Quando não se tem alternativa para pedir desculpa a mulher amada, então, recorre-se às flores. Por isso, não as dou. Porque eu amo com todas as forças, e a cada dia, e não me sobra tempo para errar a ponto de ter que pedir desculpas com um buquê na mão.
Assim, perdi o amor da minha vida. A mais bela... Que ao me ver chegar com o buquê, não entendeu que eu havia ultrapassado o limite do orgulho, por amor, e estava prestes a fazer o pedido, deixando para trás minha crença. Ela virou de costas e nunca mais voltou... Nunca me deixou explicar o verdadeiro motivo do buquê... nunca quis ouvir... Não queria desculpas... Mas as desculpas nunca foram pedidas, não havia motivo para isso. Sobrou-me apenas a solidão.
quarta-feira, 10 de janeiro de 2018
Conto: Feliz Ano Novo
– Feliz ano novo – disse o homem apontando sua Magnum .44 para
a cabeça do outro que estava sentado em uma acolchoada poltrona –, seu filho da puta. – O homem sentado não
demonstrou qualquer reação. Mantinha suas pernas cruzadas, apoiando o braço,
que segurava o copo de uísque, sobre o joelho.
– Como entrou
aqui? – perguntou o homem sentado.
– Não importa.
Hoje você vai pagar por tudo.
– Você é um
cara interessante, Isaque – disse o homem com uísque. – Achei que já havia
superado tudo, afinal, faz quatro anos...
– Cinco – interrompeu Isaque.
– Isso! Cinco
anos. E você escolhe essa data peculiar. Você é realmente interessante.
– Você tinha
tudo, Davi. Seu nome não nega isso. Tinha tudo, mas quis a única coisa que era
valiosa para mim. Você é um filho da puta de merda, exatamente como o Davi
bíblico – disse Isaque.
– Raissa não é
uma coisa, meu caro. Ela fez a escolha dela.
– Você a levou
a isso! – berrou Isaque, engatilhando a arma. – Você era a porra do diretor da
empresa que ela trabalhava. O que queria que ela fizesse? Tínhamos contas a
pagar e eu...
– Sim, eu sei.
Você estava desempregado – interrompeu Davi. – Eu conheço a história. Olha Isaque, o que
passou, passou. Supere isso de uma vez. Aproveite o ano novo. Como dizem por
aí: Ano novo, vida nova.
O barulho do
disparo ecoou no luxuoso escritório. Mas nem mesmo assim o diretor esboçou
qualquer reação. Até mesmo seu piscar de olhos fora controlado.
– Você estragou
meu piso, Isaque – disse Davi.
– Eu devia ter
atirado na sua cara.
– Você é um
homem problemático. Já pensou que ela pode tê-lo deixado por isso? E que você está
concentrando sua fúria em mim? Foi apenas um caso. Um casinho de nada.
– Você
destruiu minha vida! – berrou Isaque, derrubando a luminária que estava sobre a
mesa, espatifando-a no chão.
– Era
importada – disse Davi. – Eu adorava essa luminária.
– Vou mata-lo.
Depois matarei Raissa.
– Pois vá em
frente – disse Davi. – Vá em frente.
Mate-me, e depois mate a ela. Depois disso, sua vida será muito mais fácil. A
polícia vai descobrir você em poucos segundos. Você será preso em poucas horas,
e essa sua bundinha será a nova diversão da rapaziada da cela. Ou você já se
esqueceu do vexame que foi nosso último encontro?
– Como posso
esquecer se hoje faz cinco anos.
– Então...
Tudo seria diferente se você não tivesse aparecido na festa de fim ano da
empresa. Raissa sempre me disse que você não fazia nada. Não saia com ela, não
se divertia. Você havia sido convidado para nossa festa, e não quis ir. Sua
chegada surpresa lá, e aquele vexame... Você sabe que se eu morrer... você é o
maior suspeito.
– Eu devia ter
matado vocês dois ali mesmo. Há quanto tempo você estava comendo minha mulher?
– O que isso
importa agora? Ela não é mais sua mulher. Nem minha. Ela não é de ninguém. Ela
não é uma coisa, Isaque.
– Você tinha
tudo! – berrou Isaque. – Os melhores carros, as mulheres que queria, todo o
dinheiro do mundo. Por que Raissa também?
– Ora... mas
isso é muito simples... Eu a queria, porque não a tinha.
Isaque começou
a chorar copiosamente.
– Que cena
patética, Isaque – disse Davi. – Odeio
ver homens chorando. Foi há cinco anos. Eu nem me lembro mais dela... E
outra... Ela fodia muito mal.
– Você é um
filho da puta.
– Isaque –
disse Davi –, me matar, e depois matar
Raissa, não vai vinga-lo. Vai por mim, vingança não é isso. Vingança é o que
fiz com você. Sua ex-mulher me rejeitou várias vezes, mesmo você sendo um
insensível, grosso e duro sem ter onde cair. Ela preferiu um fodido igual você,
a mim, muitas vezes... Isso machucou meu ego, virou uma disputa pessoal.
Vingança é isso... Ver um homem que tinha o que eu queria, que destruiu minha
festa de ano novo há cinco anos, que fez um vexame horrível na frente dos meus
empregados, chorando como uma criança na minha frente.
– Foda-se,
cara. Vou matar você assim mesmo.
– Além de mal
perdedor, você é burro. Isso que você está prestes a fazer vai ser a maior
idiotice da sua vida. Aproveite o ano novo, e mude de vida. Esqueça Raissa, me
esqueça. Viva sua vida, comece de novo. Você acha que eu ganhei todas as
disputas? Lógico que não! A grande diferença do vencedor para o perdedor é o
fato do vencedor não se apegar às derrotas, como você está fazendo agora. Se
você me matar, sei que não terá coragem de matar Raissa. Vejo isso nos seus
olhos. Você é um frouxo, você nunca matou ninguém... Não vai mata-la... Você
quer mostrar uma hombridade que não tem. Ela vai ter pena de você. Se você me
matar, vai ficar tão apavorado, que vai fugir... Vai fugir e será pego. – Isaque
começou a chorar ainda mais, caindo de joelhos no tapete.
– O que eu
devo fazer? – disse Isaque entrecortado por choro.
– Comece de
novo. E eu vou te ajudar. Vou te ajudar porque não sou esse filho da puta que você
diz. Digamos que esse seja um pedido de desculpas. – Isaque olhava Davi falar,
mas não sentia mais ódio dele. Era quase uma admiração.
– Vá até
aquele quadro. Retire ele do lugar. Atrás haverá um cofre. A senha é: 280480.
– É o
aniversário dela – disse Isaque incrédulo.
– Sim... –
respondeu Davi com um sorriso. – Retire uma maleta que há dentro do cofre. São
cem mil dólares. Refaça sua vida. Comece de novo. Esqueça o que passou. Esqueça
Raissa, esqueça meu caso com ela. Comece esse novo ano com uma
vida nova.
Isaque olhava
atônito para seu interlocutor após retirar a maleta do cofre. Davi virou o copo
de uísque, e após uma careta, esboçou um sorriso.
– No fundo, eu
sei que você só a quer de volta. Sei que essa coisa de vir aqui me ameaçar,
querer me matar; foi um ato desesperado para chamar atenção dela. No fundo você
ainda a ama. E ela também ama você. Ela se arrependeu. Ela se arrependeu pelo
que fez no final... Ela amava você... Por isso não estou com ela... Ela foi embora. Eu também perdi, mas ao contrário de você, eu sei como vencer. Vá
embora, Isaque. Vença pelo menos uma vez na vida.
Isaque olhou a
mala, devolveu o olhar para o homem, e então virou de costas. Saiu a passos
lentos em direção a saída sem dizer palavra. Davi levantou-se e observou Isaque
sair pelo seu quintal, pulando o
muro. O magnata deu um sorriso, sacou
seu celular e discou um número conhecido:
– Olá delegado.
Lembra-se daquele favor? Sim... preciso agora. Siga para o norte a partir da
minha casa... sim... há uma mala com um chip rastreável... Está repleta de
dólares e cocaína... Prenda em flagrante...
Os dólares? Pode ficar com eles.
Davi desligou
o celular sorrindo.
– Agora estou
vingado – proferiu.
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