segunda-feira, 13 de março de 2017

Fazendo bem o que não gosta

            Não sei se acontece com todo mundo, mas pelo menos comigo, passo grande parte do meu dia fazendo muito bem coisas que eu não gosto e em contra partida, fazendo coisas que eu gosto de maneira ruim ou displicente. Acho que isso é uma coisa que se aprende desde criança. Você pode ser um apaixonado por música, mas não conseguir executar um bom acorde no violão, odiar estudar, e ser um dos melhores alunos da classe. Juro, isso pode acontecer, e aconteceu comigo.
            Eu confesso que não era um aluno que “curtia” escola, não gostava mesmo. Os professores, na minha opinião, eram um bando de quadrados e chatos tentando enfiar um monte de inutilidades na minha cabeça e pelos quais eu não nutria nenhuma admiração. Confesso que a culpa era minha, e não deles. Afinal, eu não tinha interesse naquilo, não gostava e achava ir à escola um saco.
            Mamãe sempre dizia que a gente precisava estudar para ser alguém, e eu fazia o que era obrigado, e até me saia bem. A coisa começou a mudar pelo ensino médio. Aulas mais interessantes, professores dinâmicos, uma pretensão à independência... Porém lá estava eu fazendo bem coisas que eu não gostava e mal, coisas que eu gostava. Eu sempre apreciei ler. Comecei com os gibis (tenho muito a agradecer ao Maurício de Souza), depois livros pequenos, biografias, clássicos e por ai vai. Gostava de escrever, adorava as aulas de redação, mas eu nunca passava da droga dos 7,5. Eu tinha uma excelente professora de redação (Senhora Mônica, tenho uma foto com ela no corredor da casa dos meus pais) Porém eu nunca cheguei a chamar sua atenção com meus textos.
            Eu aguardava ansiosamente o resultado das correções em uma aula pré-vestibular intensiva em redação com ela. Sete, sete e meio, sete, sete, seis e meio... Eu não escrevia bem, apenas constatei isso. Eu me esforçava, esboçava, corrigia, pesquisava, tentava chamar a atenção com os textos que eu achava uma obre prima, e lá estava o sete.
            Ok. Ok, vai, o sete não era tão ruim, mas o que me deixava encucado eram as notas que eu tirava em matemática. Oito e meio, nove, nove e meio e por ai vai. Eu não me esforçava, mas os números eram bem claros para mim, não tinha floreio. Entretanto, minha paixão era a tal da escrita. Na época eu queria fazer vestibular para publicidade e propaganda. Meus amigos diziam que era minha cara. Eu sempre elaborava os trabalhos em grupo com vídeos, traçando o roteiro (sempre em tom de troça), escolhendo os papéis, editando as falas e principalmente... improvisando.
            Todavia algo mudou minha cabeça. Um professor de matemática vendo minhas altas notas em física e matemática e minhas notas medianas em português, redação e literatura, me disse que eu devia repensar minha escolha. “Você tem muita aptidão com números, devia pensar melhor na carreira que quer escolher, você devia fazer engenharia”. Aquela coisa de fazer engenharia martelou minha cabeça.
            Eu venho de uma família com recursos financeiros escassos (Hoje estamos mais folgados graças a Deus) e naquela época a engenharia estava “bombando”, era minha chance de comprar umas cuecas “da hora” da Zorba e um presto barba Mach 3. Se eu fosse engenheiro a coisa ia ficar boa para mim, ia ganhar uma grana legal, todo engenheiro de petróleo na minha cidade era tido como “rico”. Pensei que aquela era minha chance, e de fato foi, apesar de eu ter passado longe de ficar rico, a crise devastou tudo, mas deixa isso para outro papo.
            Movido pelo conselho do meu professor de matemática, mudei meu foco, faria engenharia. Meus amigos estranharam, diziam que não tinha “nada a ver” comigo. Era compreensível, passei a adolescência quase toda dizendo que eu não queria ser médico e nem gostaria de trabalhar com números, apesar de gostar deles, é verdade, eu adoro números, padrões, cifras e criptografia, mas na adolescência eu não me via trabalhando com eles.
            Prestei vestibular e passei em primeiro colocado para Engenharia de Controle e Automação no Instituto Federal fluminense, e concluí, minha nota de conclusão foi máxima. Desenvolvi um modelo automático de seleção de vagas de um shopping utilizando distância e velocidade média como parâmetros de seleção, a coisa ainda tinha uma maquete com o protótipo. Ficou muito bom.
            Por que estou contando tudo isso? Porque eu acabei fazendo “bem” aquilo que não era uma paixão. Não sou um apaixonado em programação, nem em números, eu apenas gosto. Sempre amei escrever, como eu disse no começo, e continuei praticando todos esses anos (nada que preste de 2004 até 2016, eu confesso), mas aquele sete em redação sempre me perseguiu.
            Eu adoro escrever, todavia me sinto um escritor medíocre, apesar de ter escrito dois livros em dois meses e estar participando do prêmio SESC de literatura nas duas categorias, e os dois livros me agradaram, mas nunca irão agradar os jurados, tenho certeza, mas eu gostei deles, mesmo com o pouquíssimo tempo que eu tive para escrever e revisar. Fiz todo o processo com um prazer imensurável. Porém, mesmo assim me sinto péssimo no que adoro fazer, enquanto faço bem o que “nem tanto”.

            Pergunto-me o que teria acontecido comigo se eu não tivesse ouvido àquele professor... Nunca saberei. Talvez eu estivesse feliz e contente escrevendo propagandas de marketing, colunas de jornais, romances... Ou talvez eu fosse um profissional medíocre, baixa performance, não valorizado, mendigando um emprego, sem perspectiva de futuro... E talvez eu estivesse pensando “Onde eu estaria agora se tivesse ouvido o meu professor de matemática?”

6 comentários:

  1. Muito legal meu filho! A vida é cheia de surpresas. Tomamos caminhos que inicialmente nem pensamos e de alguma forma eles se encontram.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi mãe. O que seriam dos filhos sem as mães? Você está certa... Os caminhos se desenrolam. Obrigado por tudo, por me apoiar (na engenharia ou em qualquer outro ramo) e por não ter desistido da gente (Eu, Thaisa, Luísa e Aline) nunca.

      Excluir
  2. Tiago, fico feliz por vê-lo fazendo, agora, o que vc gosta.Como vc, sempre gostei de ler, escrever, minhas redações eram bem avaliadas pelos professores, meu sonho era fazer jornalismo mas precisaria sair de Macaé, uma cidade àquela época sem nenhuma perspectiva neste aspecto, não tinha como ser bancada pela família.O rumo da minha vida foi se modificando e escrever ficou bem de lado, às vezes penso em participar de grupos de poesia, pra onde acabei enveredando, aqui na cidade onde moro mas........ Torcerei por vc, não desista, participe dos concursos, continue praticando, não precisa abandonar a Engenharia(vc é bom nisso).No momento certo, tomará as devidas providências que o seu coração pedir, fará as opções adequadas.Em tempo, tenho 69 anos, trabalhei com sua mãe, fazemos parte de um mesmo grupo de amizades.Sucesso, vou seguir seu blog.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Sônia, obrigado pelas palavras. Eu esqueci de mencionar no texto (e se não mencionei talvez seja porque de fato não foi o maior peso), mas eu também tive esse problema do deslocamento. Apesar do texto parecer um descontentamento velado,na verdade nunca me arrependi do curso de exatas, continuo achando-o esplêndido. Tenho um pensamento que as coisas que acontecem simplesmente deveriam acontecer. Obrigado por "perder" seu tempo lendo essas linhas. Um beijo.

      Excluir
  3. Adoro os seus textos!!! Não limite sua mente ao 7 vc tem grandes chances de ganhar seus prêmios com os livros!! Sou sua fã!!! Leitura fácil agradável e enriquecedora! Fiquei pensando pq somos assim... Realmente fazemos bem ( e muito mais) coisas que n nos agradam, do que coisas extremamentes prazerosas.. vale a reflexão dos por quês...

    ResponderExcluir